A sabedoria popular entende que substância é aquela realidade que faz com que um corpo seja e permaneça tal, mesmo se mudam suas qualidades de cor, forma, tamanho etc. Você, por exemplo, é o mesmo que era quando nasceu, embora seu corpo tenha crescido e mudado muito durante sua existência.
Tamanho, cor, peso, sabor, consistência do pão e do vinho continuam visíveis como antes. Mas, por debaixo dessas aparências, a substância (= aquilo que está sob) não é mais do pão e do vinho, porém, do próprio Jesus vivo, inteiro, imortal, glorioso como no céu.
Seu corpo não se divide, quando se divide a hóstia consagrada. Não são muitos Cristos, mas muitas presenças do mesmo Cristo em todas as hóstias e em todos os sacrários onde elas se conservam.
Esse mistério chama-se transubstanciação. Não somos capazes de compreender como acontece, mas percebemos que é perfeitamente possível e certo, porque, "como na criação, Deus produz do nada todos os seres, assim na Eucaristia se dá a conversão de todo o ser do pão e todo o ser do vinho no de Jesus. Como só Deus pode criar do nada, também só Deus pode 'transubstanciar'" (D. Estêvão Bittencourt).
Jesus, após a multiplicação dos pães, mandou recolher os fragmentos para que não se perdessem. Era também uma profecia da sua presença na hóstia consagrada: qualquer pedaço em que se parte o pão consagrado, está Jesus todo.
No século XIII, Santo Tomás de Aquino, um dos maiores teólogos de todos os tempos, foi encarregado pelo Papa de compor em latim dois hinos que celebram esse mistério. Resultou numa composição estupenda pela beleza poética e pela profundidade teológica. Eis partes dela:
1º hino
Louve, ó língua, o mistério do Corpo glorioso e do Sangue precioso, que para a salvação do mundo o Rei dos povos derramou como fruto generoso do seu coração.
Nascido para nós da Virgem imaculada, vivendo entre os seus, ele se dá a nós depois de espalhar no mundo a semente de sua palavra.
Na noite suprema da Ceia, sentando-se com seus irmãos e obedecendo plenamente à lei da Páscoa, ao grupo dos doze ele se deu a si mesmo com suas próprias mãos.
Pela sua palavra, pão e vinho se fazem Carne e Sangue de Cristo. E se os sentidos não conseguem, basta a fé para firmar o nosso coração sincero.
Veneremos, prostrados, esse grande Sacramento. A Antiga Aliança cede ao novo rito. A fé sirva de suplemento ao que falta aos nossos sentidos.
Recebam por isso o nosso louvor, júbilo, honra e saudação, o Pai e o Filho, juntamente com o Espírito Santo, que deles procede.
2º hino
Nessa mesa do novo Rei termina a fase antiga e proclama-se uma nova Páscoa, uma nova Lei.
O que Cristo fez na Ceia mandou que se fizesse em sua memória. Um dogma é dado aos cristãos: o que era pão se torna Carne; o que era vinho se torna Sangue. O que tu não percebes nem vês, a fé animosa confirma.
Permanecem visíveis os sinais, não, porém, a matéria anterior.
Permanece Cristo todo sob ambas as aparências, para dar sua Carne como alimento e seu Sangue como bebida.
Não é partido nem dividido, mas todo inteiro é recebido; nem se consome, mesmo se um ou mil o recebem»
Partido, pois, o Sacramento, não vaciles, mas te lembres: tanto está no fragmento quanto no todo. Não se faz divisão nem se diminui a estatura do ser, mas do sinal.
Recebem-no os bons e os maus, mas com sorte desigual: para os bons é vida; morte para os maus.
Bom pastor, Pão verdadeiro, que nos apascentas aqui como mortais, faz-nos teus comensais, herdeiros e solidários, na pátria eterna dos santos.
Mistério de união
Por que será que Jesus chegou a este ponto de se doar a nós como alimento?
É certamente porque anseia pela mais íntima união de nossa alma com ele e com todos os que crerem nele. É o que expressou vivamente em sua última conversa com os apóstolos, após a última ceia.
Foi um momento triste de despedida, que ele transformou em anúncio alegre de que pretendia permanecer no coração dos cristãos para sempre.
Em palavras cheias de emoção, dirigidas ao Pai, mas repassadas aos discípulos e a todos nós como um testamento supremo e ensinamento definitivo, assim ele exprime-se:
Eu não rogo somente por eles, mas também por aqueles que vão crer em mim pela palavra deles. Que todos sejam um, como tu, Pai, estás em mim, e eu em ti. Que eles estejam em nós, a fim de que o mundo creia que tu me enviaste.... eu neles, e tu em mim (João 17,20-23).
E insiste:
Pai, quero que estejam comigo aqueles que me deste... para que o amor com que me amaste esteja neles, e eu mesmo esteja neles (Jo 17,24-26).
Eis o motivo pelo qual ele quis se dar a nós como alimento: ele quer que, recebendo a Eucaristia, alcancemos a mais íntima união com ele.Tal como expressou na parábola da videira:
Permanecei em mim, e eu permanecerei em vós. Como o ramo não pode dar fruto por si mesmo, se não permanecer na videira, assim também vós não podereis dar fruto se não permanecerdes em mim. Eu sou a videira e vós, os ramos. Aquele que permanece em mim, como eu nele, esse dá muito fruto; pois sem mim, nada podeis fazer (João 15,1-11).
Ao preparar o cálice, durante a celebração da Missa, o padre une ao vinho uma gota de água. É um ato bem significativo: o vinho, naquele momento, significa a natureza humana de Cristo, e a pequena gota de água, a nossa natureza humana que se perde no meio de muitas gotas de vinho no cálice. Assim, a nossa humanidade, mergulhada na humanidade de Cristo, ao recebê-lo em comunhão incorpora-se a Cristo e transforma--se por sua ação divina.
Mais ainda: Jesus expressa ao Pai nessa oração o desejo ardente que vivamos em íntima união fraterna (comunhão quer dizer união comum com os irmãos na fé, os cristãos. A raiz da nossa comunhão eclesial é a Eucaristia que todos recebemos.
Origem e modelo da nossa união com Cristo e entre nós, membros da Igreja, é a unidade entre o Pai e o Filho.
Essa origem vem do alto, comenta um autor. É gratuita e invisível. Mas deve tornar-se visível na Igreja e na sociedade pela união que precisa existir entre nós: "Para que vejam e acreditem", disse Jesus. E como vamos exprimi-la? Por meio de um amor disposto a servir a todos, até os inimigos.
Por isso, Jesus lavou os pés dos discípulos antes de instituir a ceia da Eucaristia. Foi um sinal desse amor-serviço. Ele deseja que o cristão seja com os outros e para os outros uma busca constante de convivência e solidariedade.
Assim, a Eucaristia tornou possível a existência e a ação da Igreja como povo de Deus. A Igreja modela-se no próprio Deus, que é comunhão diálogo de amor entre o Pai, o Filho, o Espírito Santo. Igreja não é uma comunidade fechada em si mesma. Sai em busca dos outros com ardor missionário, para que todos gozem dessa comunhão na terra, em vista e na espera da reunião final na eternidade, onde o único bem que prevalece é o amor.
A intervenção do Espírito Santo
Em plena celebração eucarística, o padre celebrante invoca a presença do Espírito Santo. Para quê?
Assim como o Espírito Santo interveio em todos os acontecimentos misteriosos da vida de Jesus e da formação da Igreja, é ele, enfim, que na Missa, invocado pelo celebrante antes da Consagração, santifica o pão e o vinho que Jesus transformará em si mesmo.
"O que o Espírito Santo toca", disse São Cirilo de Jerusalém, "é santificado e transformado totalmente".
E assim como antes da Consagração santificou o pão e o vinho, que, em seguida, se tornam o Corpo físico de Cristo, também depois da Consagração santifica os participantes da Missa e todo o povo cristão, unidos no Corpo Místico de Cristo. A Eucaristia revela-se raiz da nossa comunhão eclesial.
Sacrifício da Nova Aliança
Sacrifício é, antes de tudo, oferta. Na cruz, Jesus ofereceu-se para a nossa salvação. O mesmo ele faz na Missa, que se torna assim o grande oferecimento de si mesmo ao Pai por nós.
E oferece-se também a nós, primeiro alimentando-nos com a mesa da sua palavra, depois com a de seu próprio Corpo. Embora essas duas partes da Missa recebam nomes diversos: liturgia ou mesa da Palavra e liturgia ou mesa do Sacrifício, constituem um único e definitivo oferecimento perpetuando o que ele fez na cruz.
A Missa não é repetir, não é multiplicar, não é acrescentar algo ao sacrifício de Cristo na cruz. O memorial de que fala o Missal não é apenas uma recordação agradecida, uma encenação do acontecimento da cruz. É o mesmo acontecimento que se atualiza incessantemente através do tempo.
Mas como pode ser o mesmo acontecimento?
Porque está presente o autor, Jesus, e o seu oferecimento é permanente Nos sacrifícios antigos, o autor da oferta era o sacerdote hebreu que, quando morria, tinha de ser substituído por outro. Na Missa, Jesus continua vivo e imortal, tornando contínuo, perpétuo, seu oferecimento e aplicando-o aos homens ao longo de todos os séculos. Cristo é o doador e o dom, o ofertante e a oferta.
Chama-se "sacrifício da Nova Aliança". Por quê?
Como já lembramos, Deus Pai fez uma aliança com o povo hebreu na antiguidade, baseada na promessa de um Salvador, que chamou de Messias: o Ungido, o Consagrado. Essa aliança, fundamentada na Lei de Deus, à qual os hebreus prometiam obediência, conservou o povo unido numa mesma fé durante milênios embora muitas vezes tenha sido fraco e infiel. Jesus é esse Messias anunciado. Na última ceia e com sua morte e ressurreição, estabeleceu com os que crêem nele uma Nova Aliança, baseada no amor e fidelidade à sua palavra.
Seguindo o costume dos hebreus na ceia pascal, ele partiu o pão, mas para indicar sua morte que estava para acontecer. Na cruz Jesus é partido para nós. No pão partido transformado em si mesmo, ele oferece-se aos discípulos e a nós. A Nova Aliança é a do amor, não simplesmente da obrigação a uma lei. Amor capaz de construir e transformar os corações.
Jesus não é simplesmente uma doutrina para a gente estudar e acreditar. Mas uma Pessoa que, pela Eucaristia, entra em nossa vida para transformar toda a nossa maneira de viver e de nos relacionar com os outros.
"Não vos conformeis com este mundo", diz São Paulo (Romanos 12,2), "mas transformai-vos pela renovação de vossa mente", numa nova maneira de compreender e orientar as próprias decisões.
O publicano Zaqueu, antes todo dedicado ao dinheiro e aos bens materiais, transformou-se totalmente pelo seu contato com Jesus, como vimos em Lucas 19,1-10.*
E por que se chama Eucaristia?
De origem grega, a palavra "eucaristia" tem o sentido de ação de graças, oração de agradecimento. Os hebreus faziam-na no início de cada refeição, significando louvor agradecido a Deus por aquela refeição e por toda a sua ação salvadora sobre o povo de Deus.
Jesus proferiu-a ao abençoar o pão na última ceia. Os apóstolos e primeiros cristãos conservaram o costume de agradecer nas suas refeições e, logicamente, na grande refeição da Missa. Assim, ela é um grande louvor e agradecimento pela redenção operada por Cristo em favor de toda a humanidade.
Por isso, antes de realizar o grande acontecimento da Consagração do pão e do vinho, a comunidade cristã desata um hino de jubilosa gratidão que a liturgia chama de Prefácio, não no sentido de "dizer antes", mas no de "dizer diante", isto é, diante do prodígio da comemoração da sua Páscoa.
"É uma ação de graças comunitária. Não uma coleção de indivíduos somando suas ações de graças pessoais, mas o Corpo Místico de Cristo cujos membros, interligados na unidade, tornam própria a única ação de graças com que cada um se esforça para viver em comunhão" (cf. Tillard, Jean Marie Roger, A comunhão na Páscoa do Senhor, p. 553).
Nenhum comentário:
Postar um comentário